Arquivo para julho, 2015

avesso do azul

um passeio pelas nuvens
ignorando os sinais de que
a aura já poderia
ter se dissolvido há muito

e depois não soube mais onde procurar
em cada azul moribundo de
cada fim de dia
o mundo do avesso
o coração a tudo
obtuso

a vida torna-se clara a ponto de
tornar-se transparente, o coração vivo
pulsando na mão,
condenado
sente estar há alguns últimos minutos do abraço
da sombra
mas se resigna como
uma fruta no chão

Lua em Escorpião

eu desfaço o rito
no calor espontâneo
de um abraço inteiro
é da maior importância
que você saiba
o avesso da minha espera, o perfume
com a deliberação de um veneno

eu desfaço o rito
que por horas
submersas, quero
acredito
faz com que seja mim
essa outra que flutua
pela sombra de quem sabe
eu desfaço o rito e retomo o verso
suspendo o instante
e vou desenrolando
lentamente o novelo
que me conduz
ao extremo do labirinto

eu me perco e assisto
tudo como num filme
me pinto para uma batalha
me escondo atrás do movimento sinuoso
para no fim sua mão me achar no escuro
e levar o que eu tinha de fôlego
acaba sendo assim
como estar nua, dona
de cabelos e ombros que se sobressaem
mas dissolvendo em todo o resto
assim como estar nua
ou nunca nua
e sempre procurando as mãos no escuro

eu aguardo
sei guardar coisas como ninguém
como uma tesoura
pra cortar a corda e
te fazer segurar firme no seu
fôlego
sei como ninguém
cortejar abismos
e acho que algo da tua aura se transmite
e eu visto, como um tecido
sou puxada da gravidade lunar e piso o chão
com o apuro que empresto de você

acho dentro de mim meu próprio poder
quando algo da sombra que você tem nos olhos
descola e me leva dançando
pelas constelações abismos ruas vazias
e de tudo que é por sua natureza inconfessável
nascem as flores o riso as tempestades
a alma de tudo se mostra
de modo
irremediável

Helena

Seu nome diz: a reluzente
Mas você sabe do seu trabalho de mariposa
Pelas noites

Levar flor no cabelo nem sempre atrai beija-flor, Helena
Nem sempre carregar dentro de si algum tipo de luz
Torna-te familiar a todas as luminescências

Nem sempre carregar o amarelo ilumina o rosto
Por dentro pode você muito bem ser uma flor seca
Uma flor de morte, Helena

Porque assim, Helena, porque insiste na sombra?
Não seria melhor se aprendesse qualquer coisa,
A lançar flechas, cavalgar, seduzir,
Escrever versos, administrar veneno?

Se insiste você que o mundo acaba e termina no amor,
então você anda em círculos, Helena…
E tua garganta foi interceptada por outrem.
Pega-a de volta.
Grita.

o que fica

sei que fiz coisas imperdoáveis
nos últimos anos

enumero:
ignorei avisos da intuição
calei
preferi não estar presente
deixei tantas me escaparem das mãos
fingi (tantas e tantas e tantas vezes) que
não era comigo

calei por mais vezes que consigo contar
fugi dos fulgores
me deixei emaranhar em carmas que já nem eram mais meus
contei as luas cheias nos dedos
sem nenhuma comoção

sei que fiz coisas imperdoáveis
abafei a chama
perdi a vocação
pra flecha
deixei de escrever poemas
que perdi para sempre no trajeto
entre a cama e o cotidiano
entre a praça e o prédio
entre o instante e o lápis

sei que fiz coisas imperdoáveis
mas gosto de pensar que há o que seja incurável
talvez a mania de ver luz em todos os cantos
essa insistência
no grito
essa ligeireza que só uma palavra no susto expressa
as flores que durante todos esses anos cresceram em pulmões e artérias
gosto de pensar que certas coisas são incuráveis