inventário

você
tem um talento muito particular
de colocar muito açúcar
na xícara de café
e matar plantas –
suas queridas gérberas vermelhas e lírios laranjas

você tem uma inconfundível tendência, inclusive
a amar mais vasos de plantas abajures
dentre outros seres inanimados
do que ama
uma boa parte do planeta

e aquele costume
de largar o sutiã em todas as maçanetas da casa
e de pintar as unhas dos pés em cima da cama
e manchar os lençóis de vinho

você, inclusive,
tem aquele talento engraçado
de mudar da água pro vinho
de ser a boca mais suja do bar
e profetizar seu próprio futuro
depois de três cachaças
esquecer como se faz puro teatro
e fazer seu coração em mil pedaços
que você vai largando pelo asfalto
no caminho pra casa

você se apega a coisas decrépitas
por exemplo, o sofá rasgado no quintal
coberto de folhas da árvore do vizinho
em que você insistia
em catar poemas curar a ressaca
acordar na manhã seguinte
com os olhos baços

você quebra xícaras e
vai recolhendo os cacos
em parcelas

você diz
que minha visão está turva
que eu minto
(minha versão de você)

você também rabisca um poema
na entrada
e na saída
como quem acena
sai à francesa
de uma vida inteira

uma vida inteira
eu viveria ao seu lado
mas
não esta

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