o que fica

sei que fiz coisas imperdoáveis
nos últimos anos

enumero:
ignorei avisos da intuição
calei
preferi não estar presente
deixei tantas me escaparem das mãos
fingi (tantas e tantas e tantas vezes) que
não era comigo

calei por mais vezes que consigo contar
fugi dos fulgores
me deixei emaranhar em carmas que já nem eram mais meus
contei as luas cheias nos dedos
sem nenhuma comoção

sei que fiz coisas imperdoáveis
abafei a chama
perdi a vocação
pra flecha
deixei de escrever poemas
que perdi para sempre no trajeto
entre a cama e o cotidiano
entre a praça e o prédio
entre o instante e o lápis

sei que fiz coisas imperdoáveis
mas gosto de pensar que há o que seja incurável
talvez a mania de ver luz em todos os cantos
essa insistência
no grito
essa ligeireza que só uma palavra no susto expressa
as flores que durante todos esses anos cresceram em pulmões e artérias
gosto de pensar que certas coisas são incuráveis

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